terça-feira, 31 de março de 2015

Do invertido ao michê bicha: aspectos de um corpo rebaixado.


A figura do invertido encontrada na antiguidade, que desde há muito tempo – parafraseio Foucault –“desperta uma repugnância ao seu respeito, por marcar uma renúncia voluntária aos prestígios e as obrigações do papel viril.” Quais os critérios morais e éticos que determinam o limite desses corpos e sua sexualidade?
O corpo viril encontra-se rebaixado já desde antiguidade, como podemos verificar em escritos filosóficos encontrados entre os séculos IV e V a.c, esses escritos nos mostram o espectro desse rebaixamento, numa sociedade onde as relações de amizade eram respeitadas, segundo alguns critérios na prática da pederastia, é o caso de Xenofonte, Aristóteles e posteriormente Plutarco, para citar alguns exemplos de filósofos que relacionam as condutas sexuais como concernentes à moral e ética nesse momento. O que podemos tomar de imediato é que o corpo masculino responde ao arquétipo da virilidade, a ideia de homem (sexo masculino) corresponde a uma série de atributos que o qualificaria como um “ator ativo no cenário dos prazeres”, é um jogo entre sujeito e objeto em termos foucaultianos, sendo que, como homem o sujeito não deve se por como objeto, por uma simples razão; isso seria rebaixar a própria natureza, posto à similaridade com o papel de objeto conferido a mulher, não se deve assumir o prazer obtido em ser objeto”. Esse homem mesmo na tradição pederasta é nesse modo de ser, o sujeito de uma conduta vergonhosa, encontrada como “antinatural”, ou ainda, “repulsiva” e “bestial”.
Em O cuidado de si Foucault percebe que: “Toda uma reflexão moral sobre a atividade sexual e seus prazeres, que parece marcar, nos dois primeiros séculos de nossa era,[...] ­uma certa desqualificação doutrinal que parece recair sobre o amor pelos rapazes.” (FOUCAULT, p.231, 2005). A moral das condutas sexuais (aphrodisia) tomada pelos antigos gregos como uma possibilidade de elevar a alma dos homens, abolia de uma posição moralmente virtuosa o amor pelos rapazes, se a amizade em questão fosse participante dos aphrodisia, ou seja, para que fosse virtuosa, a amizade não se deveria relacionar à prática sexual, já que se a relação entre dois homens fosse consentida pelo “ator passivo” então era vergonhosa para este, em contrapartida, se somente a parte ativa tomasse prazer na relação, então a outra parte não se beneficiando do ato, não frutificaria daí nenhum bom sentimento, o “dilema do erônemo” se faz dessas duas situações. O sexo dispendioso da relação homoerótica é marcado por prescrições filosóficas e médicas, tanto pelos indicativos de corrupção da alma, quanto pela corrupção corpo. É possível perceber um movimento que vai reafirmando as práticas homoerótica como a contrapartida da austeridade viril, trata-se de uma relação moral entre virtude e vergonha, uma relação que permeia também a figura masculina na sociedade moderna.
Foucault mostra em O cuidado de si, através de algumas prescrições da filosofia antiga, princípios gerais que organizavam na época clássica a experiência moral dos aphrodisia, encontramos vinculados às práticas sexuais uma certa reserva, uma certa precaução. O sexo foi tomado por filósofos e médicos da era clássica “como perigoso, difícil de ser dominado e custoso; a medida exata de sua prática possível e sua inserção num regime atento, foram exigidas desde há muito tempo.” (FOUCAULT, p.233,2005). Essas considerações estão diretamente ligadas à dietética do corpo e do uso dos prazeres prescritos, para que se pudesse manter, ou acender por meio dessas práticas de si à austeridade através das relações de amizade, uma certa hipocrisia que prevê manter a integridade da alma a salvo dos vícios da carne, não deixando que a amizade e todas as virtudes que dessa relação possam brotar, sucumbam ao desejo referente aos aphrodisia. O ato sexual é desse aspecto negado ou ao menos disfarçado nas relações de amizade, e a relação entre homem e mulher passa de maneira progressiva à formar-se como a única legitima e austera. Foucault não deixa de nos lembrar que com a formação do antigo cristianismo e seus mecanismos que nos fizeram detestar o corpo, o sexo (e a sexualidade) em seu modelo “legítimo” toma maiores proporções, ele nos mostra também que a partir do século XIX, houve uma mudança determinante para a história da sexualidade: a construção dos dispositivos da sexualidade e uma teoria geral do sexo.
Foucault em A vontade de saber dizia a respeito de um processo ocorrido na moral sexual no século XIX, que se estende à sexualidade moderna “um rápido crepúsculo que, se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da burguesia vitoriana”. Isso quando a sexualidade é confiscada pela conjugalidade dos sujeitos, ganha então, um sério aspecto de legitimidade, pela prática matrimonial puramente reprodutiva, foi nesse momento que ocorreu intensificação da naturalização do sexo, família conjugal o confisca.“O que não é regulado para a geração, ou por ela transfigurado não possui nem eira nem beira, nem lei. Nem verbo também. É ao mesmo tempo expulso, negado e reduzido ao silêncio. Não somente não existe, como não deve existir e à menor manifestação fá-lo-ão desaparecer.” (FOUCAULT, p.8, 1998).

Por que o nosso comportamento sexual está para nós como objeto de preocupação moral, de um certo cuidado ético tão intenso? É essa reflexão que conduz Foucalt em O uso dos prazeres, uma questão que está para além de uma interdição geral da sexualidade, “ocorrendo frequentemente que a preocupação moral seja forte, lá onde precisamente não há obrigação, nem proibição.(FOUCAULT, p.14, 1998). Esse movimento parte do sujeito, do sujeito desejante, que relaciona essa problematização das condutas sexuais a um conjunto de práticas referidas por Foucault como artes da existência”, ou ainda, “técnicas de si”: “Deve-se entender, com isso, práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens [...] procuram se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de certos valores estéticos e responda a certos critérios de estilo.” (FOUCAULT, p.15, 1998).
Foucault parte do princípio de que uma hipótese repressiva das interdições, não seria por acaso, o único fator de problematização moral do comportamento sexual, levanta para tanto, uma genealogia do desejo, ou, se preferir, do sujeito desejante: é a proposta de uma hermenêutica do desejo, que “busca analisar as práticas pelas quais os indivíduos foram levados a prestar atenção a eles próprios,[...] estabelecendo de si para si uma relação que permite descobrir no desejo a verdade de seu ser, seja ela natural ou decaída.” ( FOUCAULT, p.11, 1998).
Foucault dá a chance de colocar a sexualidade no campo de uma experiência do sujeito capaz de inventar-se a si mesmo: “se entendermos por experiência, a correlação numa cultura entre campos de saber, tipos de normatividade e formas de subjetividade.”(FOUCAULT, p.11, 1998). Em O cuidado de si Foucault dá ao sujeito a necessidade de se conduzir segundo sua própria sexualidade: “A Moral sexual exige, ainda e sempre, que o individuo se sujeite a uma certa arte de viver que defina os critérios estéticos e éticos da existência.” (FOUCAULT, p. 72, 1998).
Em A hermenêutica do sujeito curso ministrado em Collège de France entre 1981e 1982, tem como pontos principais a problematização moral das práticas e prazeres sexuais na antiguidade os aphrodísia, e como contraponto põe a moral judaico-cristã, que é a base da moral sexual da sociedade ocidental moderna. Foucault se muni de um termo bastante rico das sociedades antigas Epiméleia heautou, traduzida pelos latinos como cuidado de si mesmo.ocupar-se com si, preocupar-se com si etc.” Ele ocupa-se a partir daí de traçar a relação entre a prescrição délfica gnôthi seautón (o “conhece-te a ti mesmo”), e o cuidado de si. As referidas “técnicas de si”, que na antiguidade guiam ao encontro da virtude perdem força e autonomia, quando ao serem integradas ao cristianismo e depois ao longo do tempo, quando submetidas às instituições educativas, médicas e psicológicas, que transferem o cuidado que se deve ter consigo mesmo, por um cuidado que se deve ter com o próprio corpo, talvez obedecendo ao mesmo uso que se faz hoje da palavra estética.
Da amizade pode-se dizer que ela foi sofrendo alterações, já em alguns filósofos antigos vemos as prescrições das condutas sexuais dirigidas às relações heterossexuais na conjugalidade, a partir do cristianismo essa posição toma mais força, podemos ver hoje o impacto normatização das relações sexuais. A amizade foi sendo restringida aos poucos das condutas socialmente aceitas, até enfim, ser banida totalmente dos modos possíveis de se conduzir a vida. Sobre esse aspecto podemos evocar ainda um outro Foucault, aquele que desloca o tema da amizade da antiguidade para um tempo mais próximo ao nosso, em entrevista publicada no ano de 1981, Foucault fala ao jornal Gai Pied, já no inicio da entrevista, sobre “o movimento homossexual ter mais necessidade hoje de uma arte de viver, do que de uma ciência ou um conhecimento científico (ou pseudocientífico) do que é a sexualidade.” (FOUCAULT, p.260, 2004). Foucault segue, e dá a sexualidade um status privilegiado, a partir do conceito de desejo, a possibilidade de uma vida criativa, um fazer-se, um construir-se, de modo a produzir uma obra:
A sexualidade faz parte de nossa conduta. Ela faz parte da liberdade em nosso usufruto deste mundo. A liberdade é algo que nós mesmos criamos — ela é nossa própria criação, ou melhor, ela não é a descoberta de um aspecto secreto de nosso desejo. Nós devemos compreender que, com nossos desejos, por meio deles, instauram-se novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação. O sexo não é uma fatalidade; ele é uma possibilidade de aceder a uma vida criativa .” (FOUCAULT, p.260, 2004).


Nesse sentido é possível afirmar, ainda nessa fala de Foucault, que a liberação sexual é ponto de formação da obra de arte, da criação de novos modos de vida, é nesse ponto e do espaço de um estilo de vida homossexual, que essa liberação vem a ser potência criativa:


Forçosamente constatamos que a sexualidade tal qual a conhecemos hoje, torna-se uma das fontes mais produtivas de nossa sociedade e de nosso ser. Eu penso que deveríamos compreender a sexualidade num outro sentido: o mundo considera que a sexualidade constitui o segredo da vida cultural criadora; ela é mais um processo que se inscreve na necessidade, para nós hoje, de criar uma nova vida cultural, sob a condução de nossas escolhas sexuais” (FOUCAULT, p. 261, 2004).


Devemos nos lembrar sobre a liberação sexual decorrente dos anos 60, que desde a descoberta do vírus HIV nos anos 80 houve um retrocesso das conquistas geradas nesse período de revolução sexual, a epidemia que logo foi associada ao estilo de vida gay gerou retrocessos morais no imaginário coletivo: “A epidemia mudou não apenas o cenário da época, mas também impulsionou mudanças culturais que sepultaram as – hoje sabemos – frágeis conquistas da então chamada Revolução Sexual.” (MISKOLCI, p.47, 2011). Muito similar ao processo ocorrido no século XIX com o progressivo crescimento de casos de sífilis, homossexuais assim como prostitutas passam a “concentrar em si” todas as ameaças que pesam sobre o corpo, a degenerescência e a regressão, essa aproximação entre doenças sexualmente transmissíveis e personagens marginais da sociedade, tanto no século XIX como no século XX altera o olhar sobre os corpos e marca a história dos corpos desejados, aproximando o prazer à morte e reafirmando o rebaixamento de corpos que já se encontravam marginais.

Com a AIDS houve um retrocesso do processo de despatologização das identidades sexuais, um impulso na marginalização dessas identidades decaídas, onde existe todo um problema em torno das sexualidades que possam (a partir de uma “imoralidade”) representar riscos à saúde pública.Os homossexuais arcaram com o estigma da AIDS, prostitutas e os michês receberam atenção dos órgãos públicos, os homossexuais e ai se incluem os michês, (a partir de uma conduta homossexual) foram transcritos como sinônimos de devassidão, peste e promiscuidade venérea.

[…] No Brasil, algo diverso ocorreu. Em meio ao processo de redemocratização do país, o então movimento homossexual brasileiro (MHB) conseguiu estabelecer um diálogo com o Estado na criação daquele que talvez seja o melhor programa assistencial de aids do mundo, resultando em uma situação invejável por outros contextos nacionais, mas também marcada por cooptação.” (MISKOLCI, p.49, 2011).


A AIDS reconfigurou as relações de respeitabilidade sexual e por tanto, dos corpos desejados, e funcionou como radicalizador da imagem do aidético, a amizade foi novamente banida das relações aceitas, a imagem do homossexual ganha novo aspecto aberrante e por fim, o sexo que já começava a se liberar, rompendo com o estigma do matrimônio volta a ser encarcerado. A liberação sexual deixa de ser gradual e passa a ser reprimida, é por que “reside na liberação sexual um risco à saúde pública”:

Neste novo contexto, o dispositivo histórico da sexualidade passou por uma inflexão que reforçou a imposição da heteronormatividade, um conjunto de instituições, estruturas de compreensão e orientação prática que se apoiam na heterossexualidade mantendo sua hegemonia por meio da subalternização de outras sexualidades, às quais impõe seu modelo.[...] A proposta foucaultiana de uma estética da existência ganha novos elementos e exige refletir sobre as promessas e os dilemas da relação entre subjetividade e ética na sociedade contemporânea.” (MISKOLCI, p.50, 2011).

Após as mudanças decorridas da AIDS e todos os seus retrocessos, já conseguimos conviver com a doença, a rotina sexual mudou para todos e gira em torno desse cuidado com o próprio corpo, após a desmitificação da doença, todos sabem que o HIV não decorre de um estilo de vida homossexual. Porém vale dizer: o corpo homossexual ainda é evidentemente associado à promiscuidade venérea e à baixeza que perturba a masculinidade, o rebaixamento da virilidade, tal como a figura da travesti e da transexual, que hoje se descolam do status homossexual, mas que tal como este, renunciam voluntariamente ao seu papel viril. Nos faz pensar ainda, qual o aspecto moral do corpo que abre mão de sua virilidade, dispondo-se como objeto de outro homem, e por vezes renunciando à estética viril?
A antiguidade tratou da virtude na amizade, mas condenou também o prazer sexual entre dois homens, àquele cuidado de si, aquelas referidas práticas do cuidado de si mesmo que conferiam à alma um local privilegiado, foram modificadas e passaram a dar ao corpo um lugar mais importante que destinado a alma, a medicina super valorizou o sexo, modificou à sua maneira as dietéticas, e teve grande contribuição nessa modificação do referido cuidado de si, “O face-a-face consigo se tornou um face-a-face com um corpo em relação ao qual não podemos tomar distância alguma.” (MICHAUD, p.554, 2009). O século XIX desenvolveu uma teoria geral do sexo e introjetou na história da sexualidade a vontade de saber sobre o “segredo essencial” do sexo, e por fim o corpo vem tomar esse lugar primeiro na constituição do sujeito e nos seus modos de vida. A virtude estóica pautada na saúde da alma abre espaço para o corpo na experiência sexual moderna, é através dele que devemos zelar por nossa vida, é ele nossa força de trabalho e também nossa grande verdade, nosso objeto de arte e de desejo. Focault defende que nossa resistência deve partir dos corpos e dos prazeres e não do sexo-desejo. Ao fim de A vontade de saber Foucault dizia que o sexo se tornou mais importante que a alma, ou até mesmo que a própria vida, Yves Michaud diz que é o corpo quem hoje ocupa esse espaço:“Estamos doravante diretamente diante do corpo e do sexo […] onde havia consciências, almas, fantasias, e desejo, só resta um corpo com suas marcas[...]: o corpo se tornou mais importante que nossa alma- tornou-se mais importante que nossa vida.” (MICHAUD, p. 564-565, 2009).



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A prostituição viril ( como experiência erótica)

Existe dentro do que se considera prostituição, diversas formas de expressão que se apresentam de diferentes maneiras, isso dependendo do contexto em que a prostituição é construída hoje, e de quem a constrói. É onde necessariamente, coexistem dois ou mais corpos humanos pondo em jogo o desejo, assim como o objeto que ambas as partes desejam alcançar, esse objeto assim como esse desejo são de natureza intima. A relação que se dá entre os sujeitos que buscam na volúpia do outro, um gozo, gozo como sinônimo de satisfação, e em que uma das partes exige uma retribuição de valor material, a esse ato se dá o nome de prostituição.
A prostituição não é menos uma manifestação da sexualidade humana, do que uma atividade comercial, é nesse ponto que os estudos feitos à cerca de tal atividade ou manifestação, se ocupam de falar de outros espaços sobre a prostituição, o aspecto final de tais estudos conseguem reduzir a prostituição ao fator econômico, por vezes caracterizando toda uma massa de indivíduos como vitimas sociais, ou ao contrário como a parte mais integrante da escória humana. Para dar novas significações à prostituição, é necessário que se faça separação entre a baixa prostituição e todas as suas outras manifestações, algumas delas conhecemos por intermédio do que nos conta a história, e outras das quais somos contemporâneos podemos ver ou ignorar, é o caso da prostituição online ou ainda, da prostituição de valor simbólico, entre outras que podemos acessar observando mais atentamente o nosso meio social.
O prostituto que nos é contemporâneo se distancia em muito dos aspectos atribuídos (de maneira quase consensual) à prostituição. Esse personagem urbano, que nos acompanha cotidianamente sem que possamos nos dar conta, é em certa medida a figura que desafia o machismo ( pois é o homem o objeto privilegiado do desejo), acentuando o machismo (O homem em sua glória física e viril, submetendo o outro), desafia também o trabalho dando à sua sexualidade esse papel, mas de modo a se responsabilizar por seu corpo, reconhecê-lo como somente seu, e ao fazê-lo torna seu corpo seu local de trabalho. O prostituto é uma das figuras que hoje movimentam sua sexualidade em torno do capital, mas que como homem livre (em certa medida) faz sua escolha, reafirma sua virilidade, seu domínio sobre o próprio corpo e em outro lugar de fala, faz da prostituição a morada de sua identidade, diferente da prostituta que é explorada e violada, os miches são nesse contrato sexual, quem mandam e desmandam na situação, por que estamos falando aqui de homens, jovens, belos e desejáveis, o corpo masculino é nesse sentido um objeto de desejo, e se tratando de homens a posição é sempre uma outra, que não a da mulher na sociedade, uma nova possibilidade erótica, social, econômica e de identidade. A prostituição viril encontra sua expressão de maneira organizada culturalmente, porém, deve-se esquecer por enquanto do engajamento político. Não existe hoje uma organização política especificamente dos michês, nos moldes do que conhecemos hoje no Brasil como militância.
Não muito abordado no meio acadêmico, negligenciado nos movimentos de militância que abarcam sexualidade, gênero e identidade, além de marginalizada na sociedade, a prostituição viril abre espaço pra uma discussão outra, que pense a subjetividade do indivíduo e de suas condutas, que pense a prostituição também como um movimento erótico, respeitando assim como esse movimento aparece distintamente para cada um. O erotismo para Geroges Bataille em seu livro O erotismo, será uma experiência interior e subjetiva exclusiva ao homem, de modo que é a manifestação da sexualidade humana quando afastada da simplicidade animal. Como poderíamos então discutir a prostituição (que é uma relação de ordem sexual e exclusivamente humana) anulando o seu aspecto íntimo, o seu aspecto erótico? Tendo em vista o argumento de que essa se distanciou da conhecida baixa prostituição? Por interesses diversos, que não o ato induzido pela extrema miséria.
Bataille (1957) diz: Seja como for, se o erotismo é a atividade sexual dos homens, isso ocorre na medida em que ela difere da dos animais. A atividade sexual dos homens não é necessariamente erótica. Ela só o é quando deixa de ser rudimentar, simplesmente animal. (Bataille, 2014. p.54).

Podemos dizer que estamos diante de um fenômeno? Algo que se materializa em uma dinâmica assustadora (ou nem tanto), que acompanha o processo acelerado de desenvolvimento urbano,
e a revolução dos meios de comunicação e a lógica de acúmulo do capital globalizado no século XXI.

A prática é marginalizada hoje, uma marginalização tradicional, que a julga nociva ao corpo social, na cultura ocidental desde o cristianismo, a prostituição foi usada como um dos símbolos da decadência humana. Nesse sentido a prostituição é subversiva ao cristianismo, pois continua a se manter no aspecto do sexo informal, desnaturalizado e profano. Apesar de trazer em si certas normas, a prostituição flerta com o que à de mais burlesco, está nos cenários mais desconfortáveis e dizendo ao pé do ouvido certas coisas que não deveriam ser ditas, operando atos que hoje só na penumbra da prostituição se tornam possíveis, isso se deve a todas as repressões que a liberdade sexual pode acarretar, essas repressões contribuem com o que combatem, o aspecto proibido da prostituição.

Longe de estar exclusivamente atrelada à pobreza extrema, a prostituição viril flerta com a ostentação e com o acumulo, é como se dentro dessa modalidade, fetiches, drogas, dinheiro e violência, fossem também motivo de excitação sexual. É uma ambientação para a prática hedionda do pecado. A baixeza moral ou apenas imoralidade, que possibilita romper a prisão onde foi encarcerada a nossa sexualidade. É que em certa medida na prostituição, a sexualidade é liberada de suas obrigações, torna-se dentro das possibilidades livre.

Falar de experiência interior em Bataille, não é de modo algum abrir mão dos dados objetivos apresentados anteriormente pelas instituições e disciplinas, mesmo que seja para discordá-los. Bataille garante em seus estudos, um lugar de privilégio a questão da prostituição como manifestação erótica da humanidade ( mesmo que abstendo-a do caráter transgressor por caráter de rebaixamento), Bataille percorre teologias, dados científicos e antropológicos, mas sem abandonar o sentido de experiência interior para os movimentos eróticos.

Assim como a sexualidade é para a ciência uma coisa estrangeira, a prostituição é para quem a estuda um objeto estrangeiro às suas disciplinas, não levando em consideração a subjetividade da experiência que está contida na prostituição, um ato consciente que pode ou não responder a fatores inconscientes. Todos tem ideia do que fazem ao se prostituir.
Para que a prostituição ganhe novo aspecto em minha fala (ou novos atributos que lhe constituam), devo para tanto recorrer a textualidades que não cristalizem dogmas sobre a prostituição, além de dar em alguma medida voz a quem fala da prostituição diretamente desse ambiente, assim como um historiador da religião tem em si a experiência religiosa que contribui para a sua fala. É dessa maneira que relevâncias negligenciadas outrora podem ser colocadas, talvez em segundo plano, mas não sendo descartadas ou silenciadas, podendo assim contribuir para o entendimento de como a prostituição impacta, não somente no coletivo, que se dói por uma ação de que é alheio, ou o tenta ser, mas também entender como essa impacta no sujeito diretamente vinculado a ela.
No jogo entre o interdito e a transgressão, a transgressão que não seria um retorno à natureza, mas sim um reafirmar a existência do interdito, pode ser vista em algumas manifestações de prostituição, pois em nova roupagem a prostituição de nosso tempo desafia o consenso moral, quando descaradamente a prática é divulgada abertamente no espaço virtual, nas ruas, casas noturnas, casas de massagem, é difícil distinguir nas condutas ditas homoeróticas o papel do michê. A partir da escolha e do gozo do sujeito que se prostitui, e esse encontrando de várias maneiras um sentido pro que faz, na prostituição o aspecto mais profano da moeda como fim e da sexualidade como meio se complementam. Num acordo prévio o que se efetiva na prostituição é a experiência da subversão.
Bataille (1957) diz:
A experiência conduz à transgressão acabada, à transgressão bem-sucedida, que conservando o interdito, conserva-o para dele gozar.

A prostituição além de lançar os seus participantes à baixeza, vista do aspecto moral, nos dá em certa medida um comportamento que resgata, mesmo que não em sua totalidade, o gozo da transgressão, e é isso que em grande parte a possibilita, conservar o aspecto proibido e gozar dessa proibição violada. Seria então do aspecto econômico um trabalho marginal, e do aspecto filosófico talvez tenda a um choque frente ao interdito sexual. Não vejo como uma tentativa de estetização da prostituição, ela existe como experiência e convida a todos que se inclinem a vivenciá-la. A prostituição é um lugar de diferença, e talvez uma brecha que permanece aberta após tantas outras terem sido cimentadas pelas várias expressões do interdito. Por mais que a baixa prostituição tenha em suas raízes o peso da condição miserável que arranca o sujeito de sua humanidade, a posição do michê não o exclui da esfera social, nem o priva de sua humanidade. Sobre esse aspecto Bataille se ocupa de separar o local da transgressão e da baixeza:
A extrema miséria desliga os homens dos interditos que fundam neles a humanidade: Ela não  os desliga como faz a transgressão: Uma espécie de rebaixamento imperfeito  sem duvida, deixa livre curso ao impulso animal. ( Bataille p. 159)

Hoje o que entendemos como baixa prostituição abarca ainda certo grupo de sujeitos que estão abaixo da dignidade animal, mas serão somente esses os que hoje são encontrados nas ruas ou quartos a se prostituir? Não, hoje vemos garotos que ao se lançarem na prostituição o fazem no sentido de acumular bens, ou garantir mais conforto à sua vida, outros por exemplo se lançam a essa sorte por curiosidade, a busca por dinheiro está em jogo para o michê, mas não seria esse o impulso final, existem ai subjetividades que põe o dinheiro em outro plano, o é o desejo de participar da baixaria que foi convidado ao longo da vida a negar, para tanto existe ai uma pré disposição despudorada do agente. Como o padre que peca contra a castidade, faz dele um ser vil, e por outro lado um ser completo, completo pois no dado momento da violação o que está em jogo é o desejo, é a pulsão desse desejo que rompe o limite e depois o nauseia e o constrange, reafirma o interdito. O incômodo causado pelo interdito é nesse aspecto indiferente momentaneamente, mas logo volta a tomar seu lugar.

A baixa prostituição dá o tom de indiferença às proibições, mas não isenta a prostituta de saber o que está fazendo, a coloca mais uma vez abaixo da dignidade animal. Sobre isso Bataille escreve:
A prostituta de baixo nível está no último grau do rebaixamento. Ela poderia não ser menos indiferente aos interditos do que o animal, mas, impotente para chegar à perfeita indiferença, sabe dos interditos que outros os observam... Ela se sabe humana. Mesmo sem vergonha, ela pode ter consciência de viver como os porcos.(Bataille p. 160)

Ao contrário da baixa prostituição de que fala Bataille, que passa em sua baixeza da transgressão à indiferença, a prostituição dessa vez, toma nova forma,  pois na prostituição das grandes metrópoles não é a miséria a mola de impulso, certamente o dinheiro é primordial, mas a experiência em tantos casos é gratificante. Garotos (e posso por aqui garotas) de classe média se anunciam em sites e aplicativos mobile como garotos de programa, um inicio comum à prostituição de que somos contemporâneos. A grande questão é quais as gratificações que decorrem dessa troca?  

Pense que, o sexo foi desnaturalizado, porém mesmo em sua suposta banalidade, o ato sexual contém em si grande relevância, a diversidade que configura a humanidade ,priva uma quantidade considerável de homens e mulheres, de exercer o ato sexual com reciprocidade de interesses, principalmente se o objeto de desejo em questão for alguém de vil beleza. Em nós são introjetados padrões de socialização, uma diversidade de modelos, mas que em sua diversidade ainda sim deixam à margem tantos corpos estranhos à regra, corpos que não correspondem em vários aspectos ao ideal humano de beleza.
Se nessa busca por identificação e correspondência de afetividade sexual, minha aparência ou minha condição não me possibilitam obter o que eu desejo, estou fadado a aceitar o que me é dado. Se  por outro lado existe alguém com um preço e que corresponda a ideia de satisfação momentânea do meu desejo, torna-se mesmo que de maneira cruel uma possibilidade de satisfação.  
É o caso de polos opostos, se por um lado a rejeição e a vergonha dão ao indivíduo a inclinação ao contrato sexual, é ao contrário, a afirmação da minha aceitação como corpo desejado e a falta de vergonha que me fazem aceitar o contrato. Não imagina o quanto é deleitável o convite, a proposta de ser pago por ser desejado quem nunca o foi. Seria esse talvez o objeto de desejo do prostituído? Claro que não se resume a isso, a prostituição pode ser problematizada de várias maneiras,  mas esse é o deslumbre de quem descobre essa possibilidade. Haverão casos em que a entrada na prostituição se darão de maneiras menos afáveis, e justamente por isso que não devemos tratar de maneira genérica a prostituição, nem mesmo quando quem o discurso vem de dentro da desta. A prostituição será para um e para outro uma experiência diversa, pode-se ou não tomá-la como identidade além de profissão, se pode ou não gozar dessa experiência.


Gostaria de deixar esclarecido que não é minha intenção representar uma classe como portadores de um " fetiche por prostituir-se", mas sim dar ( como dito anteriormente) a possibilidade de novas leituras à cerca do tema.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Prostituição masculina: um local de sublimação machista.

É  o caso de, nas relações homossexuais ( homem-homem) existir  no mais das vezes uma acentuada relação de poder de um homem sobre o outro. Essa relação está sempre diretamente ligada ao corpo que permite ser invadido ocupando um posição de inferioridade, obviamente isso incomoda mais a quem se dá ao trabalho de discutir tal relação alheio à ela, do que propriamente o sujeito que está sendo submetido. Essa relação não é mais do que uma releitura do discurso comum à sociedade ocidental como a conhecemos. O fato de o órgão genital feminino ser carregado do sentido de falta, por se tratar de um orifício à ser preenchido, o fato de ser penetrável e adaptável ao membro viril dá à vagina um sentido de passividade, pois quem recebe a designação de membro ativo é o pênis. A mulher então é posta sexualmente ( e não somente, mas a partir dessa disposição) como inferior. A homossexualidade é então para as convenções sociais não mais que uma cópia aberrante do que seria a mulher no meio social. Nesse sentido é importante observar que é o mesmo discurso aplicado à diferentes sujeitos.
Na relação heterossexual, com certeza podemos enxergar muitas diferenças moralizantes entre a cópula de um homem em matrimonio, com relação à cópula com uma prostituta, o rebaixamento do ato sexual com a prostituta é, com efeito, o que dá o tom de transgressão à ação socialmente reprovável ( à luz do dia). O cliente que procura a prostituta fora do matrimonio sabe que faz de certa maneira algo reprovável, em condições reprováveis, por meios e com fins reprováveis. Essa baixeza, que se manifesta inclusive por meio da linguagem,  mas não somente, é o objeto erótico do homem que procura a prostituta.
Da mesma maneira o homem que procura outro homem sabe, ou melhor, provoca e por vezes exige essa tal baixeza que só a prostituição consegue atribuir ao sexo, é um sentimento profano, que contribui para o investimento no meretrício. A diferença primordial está no mais das vezes ( haverão casos avessos) na posição que o prostituído alcança nessa relação. Ao contrário das prostitutas que são em certa medida abusadas pelo domínio da masculinidade, os michês geralmente contratados para efetivar na relação um papel de dominação são colocados em um outro local, onde as prostitutas não chegam, são eles, mesmo que na maioria das vezes economicamente inferiores que mantem o controle e o poder durante a cópula, não significando que após essa a situação se inverta, mas fica um pouco mais nebulosa. Tendo-se em vista que os homossexuais que contratam o programa estão à procura mesmo de um “macho”, é nesse sentido que esses assumem então o posicionamento que socialmente seria tomado por uma mulher. É nessa mesma medida que podemos tomar o michê-macho, independente de ser uma personagem ou não, como um sujeito constituinte da chamada escória urbana ( pois minhas acusações se limitam à São Paulo), que recebe de determinadas maneiras privilégios que as prostitutas são incapazes de alcançar. O michê macho é pago para reafirmar sua masculinidade ( mesmo que fingida ou forçada), e exercer sobre um corpo que se propõe submisso, o que já é segundo sua construção de homem uma prática comum, inferiorizar um outro sujeito rebaixando-o à um objeto sexual. Em verdade podemos olhar os dois lados da moeda,  em mesma medida socialmente é o prostituído o objeto sexual, como experiência sexual é o cliente sodomizado o objeto sexual desse michê, que ele mesmo fez com que fosse naquela experiência o seu soberano, e dá-se à ele como objeto.
Posso dizer com propriedade, a procura de um homossexual  não é como podemos supor, a procura por um outro de status social igual, existe hoje todo um imaginário gay (e a indústria pornô tem seu mérito na formação desse imaginário), que pelo menos quando falamos de prostituição, quer a imagem de um homem que não remonte em nada a sua própria “inferioridade” de um ser afeminado, pelo contrário, se quer um homem heterossexual, sem se dar conta do absurdo que se pede, como seria possível que um homem heterossexual se interessasse por um outro homem, sem que nisso viesse a ser homossexual? Para tal a resposta é imediata, se recorre à uma masculinização excessiva da figura homossexual, e na prostituição essa é talvez a principal exigência, pois só por meio da troca, do pagamento pelo sexo, é que um homem poderia copular com outro sem que assim fosse homossexual.

Com efeito existem também os homossexuais afeminados que se prostituem, entretanto esses que chamamos de michê-bicha, se encontram novamente no patamar da baixa prostituta no mais das vezes, mudando raramente essa disposição quando sua aparência masculina ( mesmo que de gestos afeminados)permite gerar no seu cliente um certo respeito solidário, mas desde que esse não seja passivo na relação. Sendo o michê-bicha quase sempre o passivo na relação, geralmente contratado por homens mais velhos, muitas vezes nem assumidamente homossexuais, esse michê, mesmo de aparência masculina será na cópula indiscutivelmente uma figura inferiorizada, geralmente sodomizada e rebaixada. E novamente volto a dizer, geralmente não há para nenhuma das partes um desconforto com relação à essa pirâmide, todo desconforto fica por conta de quem alheio à tal experiência enxerga nesse michê um tipo de degradação maior, um degradação que ultrapassa à do michê convencional e o coloca ao lado das prostitutas.

Se o desejo maior do homossexual é ter uma experiência com um heterossexual e a prostituição garante que esse homem possa ceder a tal experiência, sem que isso implique na “homossexualização” dele, a prostituição é nesse caso a via que permite a obtenção de um objeto de desejo, que somente por uma relação de interesse seria possível, caso contrário, a gratuidade dessa relação levaria á decepção que implica em manter uma relação sexual com um homem que também se interessa por outros homens, pois na gratuidade não vejo outro motivo se não o próprio desejo do individuo “heterossexual”.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A história do Olho ( ilustrações de André Masson)

Ao falarmos de transgressão, falamos do excesso, mas sem jamais esquecer que esse gesto é relativo ao limite, àquilo que transborda para além de seus próprios limites, não para extingui-lo, mas para afirmá-lo como existente, como em um carnaval, que por dias se excede no desbunde, para depois afirmar a partir de seu cessar que existe um retorno ao limite, esse retorno seria a quarta feira de cinzas, pós-terça-feira gorda, onde se celebra a entrada da Quaresma, período de penitências e arrependimento, as cinzas simbolizam a fugacidade da existência, tão bem expressa na Bíblia, no Gênesis 3,19: “Lembra-te que é pó, e ao pó hás de voltar”. Esse retorno constante, é a utilidade positiva da transgressão, que reafirma o limite que ela rompe, que reafirma existências, a transgressão se faz existir nesse movimento de retorno.
 Foucault responsabiliza a morte de Deus, a partir de Nietzsche, pelo imenso vazio, lugar resultante dessa morte, onde foi colocada a sexualidade a qual levamos ao limite a partir de nossa linguagem, a sexualidade aqui se apresenta como um limite, um limite de si mesma, uma fissura que delimita a nós mesmos como limite, e não obstante Foucault nos dá o tom da natureza da sexualidade, a sexualidade por excelência é sem Deus e hoje ocupa em nossa, e a partir de nossa linguagem o vazio deixado pela presença constante da ausência de Deus.  A morte de Deus, diz Foucault no seu Prefácio à transgressão (Pg. 32), não nos restituiu a um mundo limitado e positivo, mas a um mundo que se desencadeia na experiência do limite, se faz e se desfaz no excesso que transgride. A sexualidade se faz para Foucault, em um movimento que nada jamais limita, pois esse movimento da sexualidade é um retorno constante do limite, assim segue: “ Nesse movimento de pura violência, em que direção a transgressão se desencadeia senão para o que a desencadeia, em direção ao limite e àquilo que nele se acha encerrado?” ( prefácio a transgressão, Pg 33).
Georges Bataille serve aqui de exemplo, para ser posto como filosofo de excessos, de linguagem que transborda aquelas linhas que delimitam os a maneira de se fazer filosofia, a maneira de Bataille, uma poética que chocou e choca até mesmo quem se propõe a ocupar esse lugar, lugar onde se ecoam novas possibilidades nesse vazio, lugar que liga a sexualidade à morte. Georges Bataille encontra uma equivalência entre os traumas originários de sua infância e de sua puberdade, e as figuras fortemente marcadas pelo excesso descritas em seu livro  História do olho (1928), a incrível obsessão pela associação dos mais diversos objetos com o olho humano, a personagem Simone assim como o próprio Bataille enxergavam na profanação alusiva do olho humano um tipo de transgressão, especificamente no caso de Simone o olho humano direcionado, submetido às partes baixas era fonte de intenso prazer, o que no pós-fácio de História do olho fica bastante evidente a relação que Bataille traça entre, o prazer do pai do Filósofo ao revirar as orbitas inúteis no  momento em que se urinava em sua poltrona, e o prazer de Simone ao introduzir “órbitas oculares” em sua vagina, geralmente junto ao orgasmo se evidencia também o mijo recorrente dos espasmos de prazer da personagem. Direcionar o olhar para as genitálias é um violento deslocamento que incomoda e perturba o receptor de tal alusão. 


André Masson – Ilustração para História do olho de Georges Bataille (1929) 

André Masson ilustrou a novela de Bataille, e a meu ver sintetizou muito bem esse deslocamento do olhar descrito por Bataille, em uma imagem que perturba o observador. Nessa cena especificamente, o padre que foi violentado pelas três figuras devassas da trama, já caído sem vida no chão, tem o seu olho arrancado pelo Sir Edmond, que com a ajuda de uma tesoura entrega à Simone o olho arrancado do padre:
“... Simone Divertia-se, fazia o olho escorregar na racha das nádegas. Estendeu-se no chão, levantou as penas e o cu. Tentou imobilizar o globo contraindo as nádegas, mas ele pulou como um caroço entre os dedos”.
O olho na vulva escancarada, que ao mesmo tempo em que goza, se urina de prazer, chora em agonia e em deleite. Entender o que essa ilustração quer dizer a partir da narrativa é entender a violência da cena, o fetiche e a obsessão, a transposição do limite, o que antes era alusivo ( os ovos e os testículos) agora se concretiza,o que só  foi possível através da morte de uma das personagens o padre violentado que jaz sem vida no fundo da imagem. 

Para quem se interessar em ler a história do Olho de Georges Bataille, fica aqui o link para download.

Réquiem parafílico

Hoje eu quero me despedir, me despedir das parafilias, me despedir das misticas que envolvem nossa sexualidade, quero dizer adeus à normatização dos indivíduos. Vou dar um passo para além dos limites das recomendações médicas e disciplinares, espero que o discurso da psicanálise nunca mais chegue à ponta da minha língua, ou de meus dedos.
Vamos falar de sexualidade tal como ela é, viva, categoricamente pulsante, não existem formulas para exercê-la, em sua raiz existe ali a verdade latente sobre a nossa sexualidade, "é que ela é sem Deus" como comenta Foucault, não tendo assim limite para além de sua própria existência. A sexualidade é por si só um limite, ela é fissura que marca a cada um de nós como um limite.

Vamos aqui, então a partir de hoje falar da sexualidade tal como ela é, sem Deus, sem limites, ela mesma como a fissura que marca todos e cada um de nós como limite. 

  
Da série: A Sade, Hans Bellmer 1961



quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Salirofilia: sexo salivado e suado ( como deveria ser)


Eu poderia me limitar a explicar do que se trata a salirofilia, mas vou dar cabo à questão do motivo que leva essa prática à ser considerada doentia, escatológica, e repugnante. A salirofilia é a prática sexual que envolve a salivação ou o excesso de suor no parceiro, cuspir, lamber, esfregar-se no suor, é nisso que se baseia uma prática salirofilica.
De fato qualquer prática sexual que envolva excreção, será considerada escatológica, porém eu não consigo pensar em sexo sem saliva e suor, sem sujeira e caos. O beijo, o oposto do escarro, é o romântico e  em conflito com o visceral, de maneira que eles podem ( e talvez devam) se complementar . Pensem que o compartilhamento de saliva é sem problema algum executado durante os longos beijos dos corpos românticos, e por que não um escarro? Um intenso manifesto que fora do fator sexual representa a repulsa e o desdém, mas que dentro dele é o excesso do beijo, o mesmo digo do suor, que fora do sexo é sujeira, resultado fétido dos corpos que se movem, mas que no sexo é consequência esperada dos corpos que afogam seu desejo na partilha do prazer.
Não consigo, mesmo que eu me esforce, entender o por que sentir prazer no suor e na saliva seria patológico ou excessivo. Não consigo mesmo saber como lamber, chupar e salivar o corpo do outro pode ser algo reprovável, nem tão pouco como se inclinar com desejo ao suor daquele corpo vivo em movimento, que deseja é desejado, corpos deliciosamente suados.
Mesmo que o desejo pelo suor ou pelos escarros venham a se manifestar em público, não vejo tanta diferença assim entre o beijo e a baba, nem o cuspe escarrado. A única diferença é provocação, o estranhamento, da saliva escancarada e não empoçada entre as bocas, é a saliva livre que se desprende e alcança seu alvo de prazer, singular, informe, desfigurada. É nessa composição de estranhamento que o escarro gera desejo, é no suor que podemos sentir cheiro de sexo, a humidade do sexo, o musgo incolor que nos faz deslizar. À quem não interessar a salirofilia, fica o meu réquiem: Excesso é higienizar o seu prazer.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Bukkake: Cum in my face (aquele banho de Cleópatra)

Bukkake é um fetiche de muitas pessoas, a maioria delas não chega a realizar tal, pois é necessário uma equipe para que o bukkake ocorra. Sim! Uma equipe, pois com menos de 3 homens para ejacular na cara de uma única pessoa não é considerado bukkake, precisa-se de  ao menos 3 homens, pra porra ficar séria.
A técnica japonesa é muito usada pela indústria pornô atual, em filmes de gang bang, ou sexo grupal em geral. Talvez a grande procura por filmes do gênero tenha uma parcela de culpa pelo fetiche generalizado nas veadas e em algumas mulheres também.

Fico em dúvida sobre a procedência da informação de que o Bukkake é de origem japonesa, já que Cleópatra conservava a juventude e a boa cútis em uma banheira de leite de touro ( dizem que ela chupava um paredão de servos para tal finalidade e seu de-LEI-TE).





Bukkake é um banho, um banho de porra, em suma, vários homens ejaculando em um só corpo.  A dica Meretricem para quem quer se arriscar nessa é: Nunca, em hipótese alguma abra os olhos, porra nos olhos arde demais, de resto é só relaxar . Bom banho crianças.