Ao falarmos de transgressão, falamos do excesso, mas sem jamais esquecer que esse gesto é relativo ao limite, àquilo que transborda para além de seus próprios limites, não para extingui-lo, mas para afirmá-lo como existente, como em um carnaval, que por dias se excede no desbunde, para depois afirmar a partir de seu cessar que existe um retorno ao limite, esse retorno seria a quarta feira de cinzas, pós-terça-feira gorda, onde se celebra a entrada da Quaresma, período de penitências e arrependimento, as cinzas simbolizam a fugacidade da existência, tão bem expressa na Bíblia, no Gênesis 3,19: “Lembra-te que é pó, e ao pó hás de voltar”. Esse retorno constante, é a utilidade positiva da transgressão, que reafirma o limite que ela rompe, que reafirma existências, a transgressão se faz existir nesse movimento de retorno.
Foucault responsabiliza a morte de Deus, a partir de Nietzsche, pelo imenso vazio, lugar resultante dessa morte, onde foi colocada a sexualidade a qual levamos ao limite a partir de nossa linguagem, a sexualidade aqui se apresenta como um limite, um limite de si mesma, uma fissura que delimita a nós mesmos como limite, e não obstante Foucault nos dá o tom da natureza da sexualidade, a sexualidade por excelência é sem Deus e hoje ocupa em nossa, e a partir de nossa linguagem o vazio deixado pela presença constante da ausência de Deus. A morte de Deus, diz Foucault no seu Prefácio à transgressão (Pg. 32), não nos restituiu a um mundo limitado e positivo, mas a um mundo que se desencadeia na experiência do limite, se faz e se desfaz no excesso que transgride. A sexualidade se faz para Foucault, em um movimento que nada jamais limita, pois esse movimento da sexualidade é um retorno constante do limite, assim segue: “ Nesse movimento de pura violência, em que direção a transgressão se desencadeia senão para o que a desencadeia, em direção ao limite e àquilo que nele se acha encerrado?” ( prefácio a transgressão, Pg 33).
Georges Bataille serve aqui de exemplo, para ser posto como filosofo de excessos, de linguagem que transborda aquelas linhas que delimitam os a maneira de se fazer filosofia, a maneira de Bataille, uma poética que chocou e choca até mesmo quem se propõe a ocupar esse lugar, lugar onde se ecoam novas possibilidades nesse vazio, lugar que liga a sexualidade à morte. Georges Bataille encontra uma equivalência entre os traumas originários de sua infância e de sua puberdade, e as figuras fortemente marcadas pelo excesso descritas em seu livro História do olho (1928), a incrível obsessão pela associação dos mais diversos objetos com o olho humano, a personagem Simone assim como o próprio Bataille enxergavam na profanação alusiva do olho humano um tipo de transgressão, especificamente no caso de Simone o olho humano direcionado, submetido às partes baixas era fonte de intenso prazer, o que no pós-fácio de História do olho fica bastante evidente a relação que Bataille traça entre, o prazer do pai do Filósofo ao revirar as orbitas inúteis no momento em que se urinava em sua poltrona, e o prazer de Simone ao introduzir “órbitas oculares” em sua vagina, geralmente junto ao orgasmo se evidencia também o mijo recorrente dos espasmos de prazer da personagem. Direcionar o olhar para as genitálias é um violento deslocamento que incomoda e perturba o receptor de tal alusão.
André Masson – Ilustração para História do olho de Georges Bataille (1929)
André Masson ilustrou a novela de Bataille, e a meu ver sintetizou muito bem esse deslocamento do olhar descrito por Bataille, em uma imagem que perturba o observador. Nessa cena especificamente, o padre que foi violentado pelas três figuras devassas da trama, já caído sem vida no chão, tem o seu olho arrancado pelo Sir Edmond, que com a ajuda de uma tesoura entrega à Simone o olho arrancado do padre:
“... Simone Divertia-se, fazia o olho escorregar na racha das nádegas. Estendeu-se no chão, levantou as penas e o cu. Tentou imobilizar o globo contraindo as nádegas, mas ele pulou como um caroço entre os dedos”.
O olho na vulva escancarada, que ao mesmo tempo em que goza, se urina de prazer, chora em agonia e em deleite. Entender o que essa ilustração quer dizer a partir da narrativa é entender a violência da cena, o fetiche e a obsessão, a transposição do limite, o que antes era alusivo ( os ovos e os testículos) agora se concretiza,o que só foi possível através da morte de uma das personagens o padre violentado que jaz sem vida no fundo da imagem.
Para quem se interessar em ler a história do Olho de Georges Bataille, fica aqui o link para download.
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