A prostituição não é menos uma
manifestação da sexualidade humana, do que uma atividade comercial,
é nesse ponto que os estudos feitos à cerca de tal atividade ou
manifestação, se ocupam de falar de outros espaços sobre a
prostituição, o aspecto final de tais estudos conseguem reduzir a
prostituição ao fator econômico, por vezes caracterizando toda uma
massa de indivíduos como vitimas sociais, ou ao contrário como a
parte mais integrante da escória humana. Para dar novas
significações à prostituição, é necessário que se faça
separação entre a baixa prostituição e todas as suas outras
manifestações, algumas delas conhecemos por intermédio do que nos
conta a história, e outras das quais somos contemporâneos podemos
ver ou ignorar, é o caso da prostituição online ou ainda, da
prostituição de valor simbólico, entre outras que podemos acessar
observando mais atentamente o nosso meio social.
O prostituto que nos é contemporâneo se distancia em muito dos
aspectos atribuídos (de maneira quase consensual) à prostituição.
Esse personagem urbano, que nos acompanha cotidianamente sem que
possamos nos dar conta, é em certa medida a figura que desafia o
machismo ( pois é o homem o objeto privilegiado do desejo),
acentuando o machismo (O homem em sua glória física e viril,
submetendo o outro), desafia também o trabalho dando à sua
sexualidade esse papel, mas de modo a se responsabilizar por seu
corpo, reconhecê-lo como somente seu, e ao fazê-lo torna seu corpo
seu local de trabalho. O prostituto é uma das figuras que hoje
movimentam sua sexualidade em torno do capital, mas que como homem
livre (em certa medida) faz sua escolha, reafirma sua virilidade, seu
domínio sobre o próprio corpo e em outro lugar de fala, faz da
prostituição a morada de sua identidade, diferente da prostituta
que é explorada e violada, os miches são nesse contrato sexual,
quem mandam e desmandam na situação, por que estamos falando aqui
de homens, jovens, belos e desejáveis, o corpo masculino é nesse
sentido um objeto de desejo, e se tratando de homens a posição é
sempre uma outra, que não a da mulher na sociedade, uma nova
possibilidade erótica, social, econômica e de identidade. A
prostituição viril encontra sua expressão de maneira organizada
culturalmente, porém, deve-se esquecer por enquanto do engajamento
político. Não existe hoje uma organização política
especificamente dos michês, nos moldes do que conhecemos hoje no
Brasil como militância.Não muito abordado no meio acadêmico, negligenciado nos movimentos de militância que abarcam sexualidade, gênero e identidade, além de marginalizada na sociedade, a prostituição viril abre espaço pra uma discussão outra, que pense a subjetividade do indivíduo e de suas condutas, que pense a prostituição também como um movimento erótico, respeitando assim como esse movimento aparece distintamente para cada um. O erotismo para Geroges Bataille em seu livro O erotismo, será uma experiência interior e subjetiva exclusiva ao homem, de modo que é a manifestação da sexualidade humana quando afastada da simplicidade animal. Como poderíamos então discutir a prostituição (que é uma relação de ordem sexual e exclusivamente humana) anulando o seu aspecto íntimo, o seu aspecto erótico? Tendo em vista o argumento de que essa se distanciou da conhecida baixa prostituição? Por interesses diversos, que não o ato induzido pela extrema miséria.
Bataille (1957) diz: Seja como for, se o erotismo é a atividade sexual dos homens, isso ocorre na medida em que ela difere da dos animais. A atividade sexual dos homens não é necessariamente erótica. Ela só o é quando deixa de ser rudimentar, simplesmente animal. (Bataille, 2014. p.54).
e a revolução dos meios de comunicação e a lógica de acúmulo do capital globalizado no século XXI.
Para que a prostituição ganhe novo aspecto em minha fala (ou novos atributos que lhe constituam), devo para tanto recorrer a textualidades que não cristalizem dogmas sobre a prostituição, além de dar em alguma medida voz a quem fala da prostituição diretamente desse ambiente, assim como um historiador da religião tem em si a experiência religiosa que contribui para a sua fala. É dessa maneira que relevâncias negligenciadas outrora podem ser colocadas, talvez em segundo plano, mas não sendo descartadas ou silenciadas, podendo assim contribuir para o entendimento de como a prostituição impacta, não somente no coletivo, que se dói por uma ação de que é alheio, ou o tenta ser, mas também entender como essa impacta no sujeito diretamente vinculado a ela.
No jogo entre o interdito e a transgressão, a transgressão que não seria um retorno à natureza, mas sim um reafirmar a existência do interdito, pode ser vista em algumas manifestações de prostituição, pois em nova roupagem a prostituição de nosso tempo desafia o consenso moral, quando descaradamente a prática é divulgada abertamente no espaço virtual, nas ruas, casas noturnas, casas de massagem, é difícil distinguir nas condutas ditas homoeróticas o papel do michê. A partir da escolha e do gozo do sujeito que se prostitui, e esse encontrando de várias maneiras um sentido pro que faz, na prostituição o aspecto mais profano da moeda como fim e da sexualidade como meio se complementam. Num acordo prévio o que se efetiva na prostituição é a experiência da subversão.
Bataille (1957) diz:
A experiência conduz à
transgressão acabada, à transgressão bem-sucedida, que conservando
o interdito, conserva-o para dele gozar.
A extrema miséria desliga os homens dos interditos que fundam
neles a humanidade: Ela não os desliga como faz a
transgressão: Uma espécie de rebaixamento imperfeito sem
duvida, deixa livre curso ao impulso animal. ( Bataille p. 159)
Hoje o que entendemos como baixa prostituição abarca ainda certo
grupo de sujeitos que estão abaixo da dignidade animal, mas serão
somente esses os que hoje são encontrados nas ruas ou quartos a se
prostituir? Não, hoje vemos garotos que ao se lançarem na
prostituição o fazem no sentido de acumular bens, ou garantir mais
conforto à sua vida, outros por exemplo se lançam a essa sorte por
curiosidade, a busca por dinheiro está em jogo para o michê, mas
não seria esse o impulso final, existem ai subjetividades que põe o
dinheiro em outro plano, o é o desejo de participar da baixaria que
foi convidado ao longo da vida a negar, para tanto existe ai uma pré
disposição despudorada do agente. Como o padre que peca contra a
castidade, faz dele um ser vil, e por outro lado um ser completo,
completo pois no dado momento da violação o que está em jogo é o
desejo, é a pulsão desse desejo que rompe o limite e depois o
nauseia e o constrange, reafirma o interdito. O incômodo causado
pelo interdito é nesse aspecto indiferente momentaneamente, mas logo
volta a tomar seu lugar.
A baixa prostituição dá o tom de indiferença às proibições,
mas não isenta a prostituta de saber o que está fazendo, a coloca
mais uma vez abaixo da dignidade animal. Sobre isso Bataille escreve:
A prostituta de baixo nível está no último grau do
rebaixamento. Ela poderia não ser menos indiferente aos interditos
do que o animal, mas, impotente para chegar à perfeita indiferença,
sabe dos interditos que outros os observam... Ela se sabe humana.
Mesmo sem vergonha, ela pode ter consciência de viver como os
porcos.(Bataille p. 160)
Ao contrário da baixa prostituição de que fala Bataille, que passa
em sua baixeza da transgressão à indiferença, a prostituição
dessa vez, toma nova forma, pois na prostituição das grandes
metrópoles não é a miséria a mola de impulso, certamente o
dinheiro é primordial, mas a experiência em tantos casos é
gratificante. Garotos (e posso por aqui garotas) de classe
média se anunciam em sites e aplicativos mobile como garotos de
programa, um inicio comum à prostituição de que somos
contemporâneos. A grande questão é quais as gratificações que
decorrem dessa troca?
Pense que, o sexo foi desnaturalizado, porém mesmo em sua suposta
banalidade, o ato sexual contém em si grande relevância, a
diversidade que configura a humanidade ,priva uma quantidade
considerável de homens e mulheres, de exercer o ato sexual com
reciprocidade de interesses, principalmente se o objeto de desejo em
questão for alguém de vil beleza. Em nós são introjetados padrões
de socialização, uma diversidade de modelos, mas que em sua
diversidade ainda sim deixam à margem tantos corpos estranhos à
regra, corpos que não correspondem em vários aspectos ao ideal
humano de beleza.
Se nessa busca por identificação e correspondência de afetividade
sexual, minha aparência ou minha condição não me
possibilitam obter o que eu desejo, estou fadado a aceitar o que me é
dado. Se por outro lado existe alguém com um preço e que
corresponda a ideia de satisfação momentânea do meu desejo,
torna-se mesmo que de maneira cruel uma possibilidade de
satisfação.
É o caso de polos opostos, se por um lado a rejeição e a vergonha
dão ao indivíduo a inclinação ao contrato sexual, é ao
contrário, a afirmação da minha aceitação como corpo desejado e
a falta de vergonha que me fazem aceitar o contrato. Não
imagina o quanto é deleitável o convite, a proposta de ser pago por
ser desejado quem nunca o foi. Seria esse talvez o objeto de desejo
do prostituído? Claro que não se resume a isso, a prostituição
pode ser problematizada de várias maneiras, mas esse é
o deslumbre de quem descobre essa possibilidade. Haverão casos
em que a entrada na prostituição se darão de maneiras menos
afáveis, e justamente por isso que não devemos tratar de maneira
genérica a prostituição, nem mesmo quando quem o discurso vem de
dentro da desta. A prostituição será para um e para outro uma
experiência diversa, pode-se ou não tomá-la como identidade além
de profissão, se pode ou não gozar dessa experiência.
Gostaria de deixar esclarecido que não é minha intenção representar uma classe como portadores de um " fetiche por prostituir-se", mas sim dar ( como dito anteriormente) a possibilidade de novas leituras à cerca do tema.
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