sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A prostituição viril ( como experiência erótica)

Existe dentro do que se considera prostituição, diversas formas de expressão que se apresentam de diferentes maneiras, isso dependendo do contexto em que a prostituição é construída hoje, e de quem a constrói. É onde necessariamente, coexistem dois ou mais corpos humanos pondo em jogo o desejo, assim como o objeto que ambas as partes desejam alcançar, esse objeto assim como esse desejo são de natureza intima. A relação que se dá entre os sujeitos que buscam na volúpia do outro, um gozo, gozo como sinônimo de satisfação, e em que uma das partes exige uma retribuição de valor material, a esse ato se dá o nome de prostituição.
A prostituição não é menos uma manifestação da sexualidade humana, do que uma atividade comercial, é nesse ponto que os estudos feitos à cerca de tal atividade ou manifestação, se ocupam de falar de outros espaços sobre a prostituição, o aspecto final de tais estudos conseguem reduzir a prostituição ao fator econômico, por vezes caracterizando toda uma massa de indivíduos como vitimas sociais, ou ao contrário como a parte mais integrante da escória humana. Para dar novas significações à prostituição, é necessário que se faça separação entre a baixa prostituição e todas as suas outras manifestações, algumas delas conhecemos por intermédio do que nos conta a história, e outras das quais somos contemporâneos podemos ver ou ignorar, é o caso da prostituição online ou ainda, da prostituição de valor simbólico, entre outras que podemos acessar observando mais atentamente o nosso meio social.
O prostituto que nos é contemporâneo se distancia em muito dos aspectos atribuídos (de maneira quase consensual) à prostituição. Esse personagem urbano, que nos acompanha cotidianamente sem que possamos nos dar conta, é em certa medida a figura que desafia o machismo ( pois é o homem o objeto privilegiado do desejo), acentuando o machismo (O homem em sua glória física e viril, submetendo o outro), desafia também o trabalho dando à sua sexualidade esse papel, mas de modo a se responsabilizar por seu corpo, reconhecê-lo como somente seu, e ao fazê-lo torna seu corpo seu local de trabalho. O prostituto é uma das figuras que hoje movimentam sua sexualidade em torno do capital, mas que como homem livre (em certa medida) faz sua escolha, reafirma sua virilidade, seu domínio sobre o próprio corpo e em outro lugar de fala, faz da prostituição a morada de sua identidade, diferente da prostituta que é explorada e violada, os miches são nesse contrato sexual, quem mandam e desmandam na situação, por que estamos falando aqui de homens, jovens, belos e desejáveis, o corpo masculino é nesse sentido um objeto de desejo, e se tratando de homens a posição é sempre uma outra, que não a da mulher na sociedade, uma nova possibilidade erótica, social, econômica e de identidade. A prostituição viril encontra sua expressão de maneira organizada culturalmente, porém, deve-se esquecer por enquanto do engajamento político. Não existe hoje uma organização política especificamente dos michês, nos moldes do que conhecemos hoje no Brasil como militância.
Não muito abordado no meio acadêmico, negligenciado nos movimentos de militância que abarcam sexualidade, gênero e identidade, além de marginalizada na sociedade, a prostituição viril abre espaço pra uma discussão outra, que pense a subjetividade do indivíduo e de suas condutas, que pense a prostituição também como um movimento erótico, respeitando assim como esse movimento aparece distintamente para cada um. O erotismo para Geroges Bataille em seu livro O erotismo, será uma experiência interior e subjetiva exclusiva ao homem, de modo que é a manifestação da sexualidade humana quando afastada da simplicidade animal. Como poderíamos então discutir a prostituição (que é uma relação de ordem sexual e exclusivamente humana) anulando o seu aspecto íntimo, o seu aspecto erótico? Tendo em vista o argumento de que essa se distanciou da conhecida baixa prostituição? Por interesses diversos, que não o ato induzido pela extrema miséria.
Bataille (1957) diz: Seja como for, se o erotismo é a atividade sexual dos homens, isso ocorre na medida em que ela difere da dos animais. A atividade sexual dos homens não é necessariamente erótica. Ela só o é quando deixa de ser rudimentar, simplesmente animal. (Bataille, 2014. p.54).

Podemos dizer que estamos diante de um fenômeno? Algo que se materializa em uma dinâmica assustadora (ou nem tanto), que acompanha o processo acelerado de desenvolvimento urbano,
e a revolução dos meios de comunicação e a lógica de acúmulo do capital globalizado no século XXI.

A prática é marginalizada hoje, uma marginalização tradicional, que a julga nociva ao corpo social, na cultura ocidental desde o cristianismo, a prostituição foi usada como um dos símbolos da decadência humana. Nesse sentido a prostituição é subversiva ao cristianismo, pois continua a se manter no aspecto do sexo informal, desnaturalizado e profano. Apesar de trazer em si certas normas, a prostituição flerta com o que à de mais burlesco, está nos cenários mais desconfortáveis e dizendo ao pé do ouvido certas coisas que não deveriam ser ditas, operando atos que hoje só na penumbra da prostituição se tornam possíveis, isso se deve a todas as repressões que a liberdade sexual pode acarretar, essas repressões contribuem com o que combatem, o aspecto proibido da prostituição.

Longe de estar exclusivamente atrelada à pobreza extrema, a prostituição viril flerta com a ostentação e com o acumulo, é como se dentro dessa modalidade, fetiches, drogas, dinheiro e violência, fossem também motivo de excitação sexual. É uma ambientação para a prática hedionda do pecado. A baixeza moral ou apenas imoralidade, que possibilita romper a prisão onde foi encarcerada a nossa sexualidade. É que em certa medida na prostituição, a sexualidade é liberada de suas obrigações, torna-se dentro das possibilidades livre.

Falar de experiência interior em Bataille, não é de modo algum abrir mão dos dados objetivos apresentados anteriormente pelas instituições e disciplinas, mesmo que seja para discordá-los. Bataille garante em seus estudos, um lugar de privilégio a questão da prostituição como manifestação erótica da humanidade ( mesmo que abstendo-a do caráter transgressor por caráter de rebaixamento), Bataille percorre teologias, dados científicos e antropológicos, mas sem abandonar o sentido de experiência interior para os movimentos eróticos.

Assim como a sexualidade é para a ciência uma coisa estrangeira, a prostituição é para quem a estuda um objeto estrangeiro às suas disciplinas, não levando em consideração a subjetividade da experiência que está contida na prostituição, um ato consciente que pode ou não responder a fatores inconscientes. Todos tem ideia do que fazem ao se prostituir.
Para que a prostituição ganhe novo aspecto em minha fala (ou novos atributos que lhe constituam), devo para tanto recorrer a textualidades que não cristalizem dogmas sobre a prostituição, além de dar em alguma medida voz a quem fala da prostituição diretamente desse ambiente, assim como um historiador da religião tem em si a experiência religiosa que contribui para a sua fala. É dessa maneira que relevâncias negligenciadas outrora podem ser colocadas, talvez em segundo plano, mas não sendo descartadas ou silenciadas, podendo assim contribuir para o entendimento de como a prostituição impacta, não somente no coletivo, que se dói por uma ação de que é alheio, ou o tenta ser, mas também entender como essa impacta no sujeito diretamente vinculado a ela.
No jogo entre o interdito e a transgressão, a transgressão que não seria um retorno à natureza, mas sim um reafirmar a existência do interdito, pode ser vista em algumas manifestações de prostituição, pois em nova roupagem a prostituição de nosso tempo desafia o consenso moral, quando descaradamente a prática é divulgada abertamente no espaço virtual, nas ruas, casas noturnas, casas de massagem, é difícil distinguir nas condutas ditas homoeróticas o papel do michê. A partir da escolha e do gozo do sujeito que se prostitui, e esse encontrando de várias maneiras um sentido pro que faz, na prostituição o aspecto mais profano da moeda como fim e da sexualidade como meio se complementam. Num acordo prévio o que se efetiva na prostituição é a experiência da subversão.
Bataille (1957) diz:
A experiência conduz à transgressão acabada, à transgressão bem-sucedida, que conservando o interdito, conserva-o para dele gozar.

A prostituição além de lançar os seus participantes à baixeza, vista do aspecto moral, nos dá em certa medida um comportamento que resgata, mesmo que não em sua totalidade, o gozo da transgressão, e é isso que em grande parte a possibilita, conservar o aspecto proibido e gozar dessa proibição violada. Seria então do aspecto econômico um trabalho marginal, e do aspecto filosófico talvez tenda a um choque frente ao interdito sexual. Não vejo como uma tentativa de estetização da prostituição, ela existe como experiência e convida a todos que se inclinem a vivenciá-la. A prostituição é um lugar de diferença, e talvez uma brecha que permanece aberta após tantas outras terem sido cimentadas pelas várias expressões do interdito. Por mais que a baixa prostituição tenha em suas raízes o peso da condição miserável que arranca o sujeito de sua humanidade, a posição do michê não o exclui da esfera social, nem o priva de sua humanidade. Sobre esse aspecto Bataille se ocupa de separar o local da transgressão e da baixeza:
A extrema miséria desliga os homens dos interditos que fundam neles a humanidade: Ela não  os desliga como faz a transgressão: Uma espécie de rebaixamento imperfeito  sem duvida, deixa livre curso ao impulso animal. ( Bataille p. 159)

Hoje o que entendemos como baixa prostituição abarca ainda certo grupo de sujeitos que estão abaixo da dignidade animal, mas serão somente esses os que hoje são encontrados nas ruas ou quartos a se prostituir? Não, hoje vemos garotos que ao se lançarem na prostituição o fazem no sentido de acumular bens, ou garantir mais conforto à sua vida, outros por exemplo se lançam a essa sorte por curiosidade, a busca por dinheiro está em jogo para o michê, mas não seria esse o impulso final, existem ai subjetividades que põe o dinheiro em outro plano, o é o desejo de participar da baixaria que foi convidado ao longo da vida a negar, para tanto existe ai uma pré disposição despudorada do agente. Como o padre que peca contra a castidade, faz dele um ser vil, e por outro lado um ser completo, completo pois no dado momento da violação o que está em jogo é o desejo, é a pulsão desse desejo que rompe o limite e depois o nauseia e o constrange, reafirma o interdito. O incômodo causado pelo interdito é nesse aspecto indiferente momentaneamente, mas logo volta a tomar seu lugar.

A baixa prostituição dá o tom de indiferença às proibições, mas não isenta a prostituta de saber o que está fazendo, a coloca mais uma vez abaixo da dignidade animal. Sobre isso Bataille escreve:
A prostituta de baixo nível está no último grau do rebaixamento. Ela poderia não ser menos indiferente aos interditos do que o animal, mas, impotente para chegar à perfeita indiferença, sabe dos interditos que outros os observam... Ela se sabe humana. Mesmo sem vergonha, ela pode ter consciência de viver como os porcos.(Bataille p. 160)

Ao contrário da baixa prostituição de que fala Bataille, que passa em sua baixeza da transgressão à indiferença, a prostituição dessa vez, toma nova forma,  pois na prostituição das grandes metrópoles não é a miséria a mola de impulso, certamente o dinheiro é primordial, mas a experiência em tantos casos é gratificante. Garotos (e posso por aqui garotas) de classe média se anunciam em sites e aplicativos mobile como garotos de programa, um inicio comum à prostituição de que somos contemporâneos. A grande questão é quais as gratificações que decorrem dessa troca?  

Pense que, o sexo foi desnaturalizado, porém mesmo em sua suposta banalidade, o ato sexual contém em si grande relevância, a diversidade que configura a humanidade ,priva uma quantidade considerável de homens e mulheres, de exercer o ato sexual com reciprocidade de interesses, principalmente se o objeto de desejo em questão for alguém de vil beleza. Em nós são introjetados padrões de socialização, uma diversidade de modelos, mas que em sua diversidade ainda sim deixam à margem tantos corpos estranhos à regra, corpos que não correspondem em vários aspectos ao ideal humano de beleza.
Se nessa busca por identificação e correspondência de afetividade sexual, minha aparência ou minha condição não me possibilitam obter o que eu desejo, estou fadado a aceitar o que me é dado. Se  por outro lado existe alguém com um preço e que corresponda a ideia de satisfação momentânea do meu desejo, torna-se mesmo que de maneira cruel uma possibilidade de satisfação.  
É o caso de polos opostos, se por um lado a rejeição e a vergonha dão ao indivíduo a inclinação ao contrato sexual, é ao contrário, a afirmação da minha aceitação como corpo desejado e a falta de vergonha que me fazem aceitar o contrato. Não imagina o quanto é deleitável o convite, a proposta de ser pago por ser desejado quem nunca o foi. Seria esse talvez o objeto de desejo do prostituído? Claro que não se resume a isso, a prostituição pode ser problematizada de várias maneiras,  mas esse é o deslumbre de quem descobre essa possibilidade. Haverão casos em que a entrada na prostituição se darão de maneiras menos afáveis, e justamente por isso que não devemos tratar de maneira genérica a prostituição, nem mesmo quando quem o discurso vem de dentro da desta. A prostituição será para um e para outro uma experiência diversa, pode-se ou não tomá-la como identidade além de profissão, se pode ou não gozar dessa experiência.


Gostaria de deixar esclarecido que não é minha intenção representar uma classe como portadores de um " fetiche por prostituir-se", mas sim dar ( como dito anteriormente) a possibilidade de novas leituras à cerca do tema.

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