É o caso de, nas
relações homossexuais ( homem-homem) existir no mais das vezes uma acentuada relação de
poder de um homem sobre o outro. Essa relação está sempre diretamente ligada ao
corpo que permite ser invadido ocupando um posição de inferioridade, obviamente
isso incomoda mais a quem se dá ao trabalho de discutir tal relação alheio à
ela, do que propriamente o sujeito que está sendo submetido. Essa relação não é
mais do que uma releitura do discurso comum à sociedade ocidental como a
conhecemos. O fato de o órgão genital feminino ser carregado do sentido de
falta, por se tratar de um orifício à ser preenchido, o fato de ser penetrável
e adaptável ao membro viril dá à vagina um sentido de passividade, pois quem
recebe a designação de membro ativo é o pênis. A mulher então é posta
sexualmente ( e não somente, mas a partir dessa disposição) como inferior. A
homossexualidade é então para as convenções sociais não mais que uma cópia
aberrante do que seria a mulher no meio social. Nesse sentido é importante
observar que é o mesmo discurso aplicado à diferentes sujeitos.
Na relação heterossexual, com certeza podemos enxergar
muitas diferenças moralizantes entre a cópula de um homem em matrimonio, com
relação à cópula com uma prostituta, o rebaixamento do ato sexual com a
prostituta é, com efeito, o que dá o tom de transgressão à ação socialmente reprovável
( à luz do dia). O cliente que procura a prostituta fora do matrimonio sabe que
faz de certa maneira algo reprovável, em condições reprováveis, por meios e com
fins reprováveis. Essa baixeza, que se manifesta inclusive por meio da
linguagem, mas não somente, é o objeto
erótico do homem que procura a prostituta.
Da mesma maneira o homem que procura outro homem sabe, ou
melhor, provoca e por vezes exige essa tal baixeza que só a prostituição
consegue atribuir ao sexo, é um sentimento profano, que contribui para o
investimento no meretrício. A diferença primordial está no mais das vezes (
haverão casos avessos) na posição que o prostituído alcança nessa relação. Ao
contrário das prostitutas que são em certa medida abusadas pelo domínio da
masculinidade, os michês geralmente contratados para efetivar na relação um
papel de dominação são colocados em um outro local, onde as prostitutas não
chegam, são eles, mesmo que na maioria das vezes economicamente inferiores que mantem
o controle e o poder durante a cópula, não significando que após essa a
situação se inverta, mas fica um pouco mais nebulosa. Tendo-se em vista que os
homossexuais que contratam o programa estão à procura mesmo de um “macho”, é
nesse sentido que esses assumem então o posicionamento que socialmente seria
tomado por uma mulher. É nessa mesma medida que podemos tomar o michê-macho,
independente de ser uma personagem ou não, como um sujeito constituinte da
chamada escória urbana ( pois minhas acusações se limitam à São Paulo), que
recebe de determinadas maneiras privilégios que as prostitutas são incapazes de
alcançar. O michê macho é pago para reafirmar sua masculinidade ( mesmo que
fingida ou forçada), e exercer sobre um corpo que se propõe submisso, o que já é
segundo sua construção de homem uma prática comum, inferiorizar um outro
sujeito rebaixando-o à um objeto sexual. Em verdade podemos olhar os dois lados
da moeda, em mesma medida socialmente é
o prostituído o objeto sexual, como experiência sexual é o cliente sodomizado o
objeto sexual desse michê, que ele mesmo fez com que fosse naquela experiência
o seu soberano, e dá-se à ele como objeto.
Posso dizer com propriedade, a procura de um
homossexual não é como podemos supor, a
procura por um outro de status social igual, existe hoje todo um imaginário gay
(e a indústria pornô tem seu mérito na formação desse imaginário), que pelo
menos quando falamos de prostituição, quer a imagem de um homem que não remonte
em nada a sua própria “inferioridade” de um ser afeminado, pelo contrário, se
quer um homem heterossexual, sem se dar conta do absurdo que se pede, como
seria possível que um homem heterossexual se interessasse por um outro homem,
sem que nisso viesse a ser homossexual? Para tal a resposta é imediata, se
recorre à uma masculinização excessiva da figura homossexual, e na prostituição
essa é talvez a principal exigência, pois só por meio da troca, do pagamento
pelo sexo, é que um homem poderia copular com outro sem que assim fosse
homossexual.
Com efeito existem também os homossexuais afeminados que se
prostituem, entretanto esses que chamamos de michê-bicha, se encontram
novamente no patamar da baixa prostituta no mais das vezes, mudando raramente
essa disposição quando sua aparência masculina ( mesmo que de gestos
afeminados)permite gerar no seu cliente um certo respeito solidário, mas desde
que esse não seja passivo na relação. Sendo o michê-bicha quase sempre o
passivo na relação, geralmente contratado por homens mais velhos, muitas vezes
nem assumidamente homossexuais, esse michê, mesmo de aparência masculina será
na cópula indiscutivelmente uma figura inferiorizada, geralmente sodomizada e
rebaixada. E novamente volto a dizer, geralmente não há para nenhuma das partes
um desconforto com relação à essa pirâmide, todo desconforto fica por conta de
quem alheio à tal experiência enxerga nesse michê um tipo de degradação maior, um
degradação que ultrapassa à do michê convencional e o coloca ao lado das
prostitutas.
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